«Hoje, vejo as crianças que conheci com os filhos ao colo, já casadas».
De facto, 20 anos aos comandos do navio e outros dois na linha, fazem de João Vicente da Cruz Bela uma das pessoas que melhor conhece a ilha dourada e as pessoas que por lá passam.
Não há quem não conheça o comandante. Não há quem desconheça a sua simpatia e verticalidade, a sua determinação e profissionalismo, nada que não tivesse sido imagem de marca do homem de calça preta, camisa branca e galões dourados que conhece o navio que hoje governa da mesma forma que conheceu o anterior, trazido da Grécia.
O atual Lobo Marinho é como um filho, porque o viu nascer, pouco a pouco, na Rússia, na Alemanha, no norte de Portugal. Ganhar forma, crescer e juntar as partes que hoje alisam as águas da travessa em viagens quase diárias, em percursos que poderia fazer de olhos fechados, mas não faz. No mar, nunca se facilita. É sempre como se fosse o primeiro dia, ensinou ao longo destes anos.
O comandante João Bela é neste momento uma autoridade para falar na matéria de vinte anos de linha marítima ininterrupta. Porque a viveu e a aprendeu como ninguém.
Quanto à ilha onde passa o dia, «mudou quase tudo, desde logo o nível de vida, que se alterou
significativamente».
Criou-se uma riqueza que até então o Porto Santo não tinha. Aumentou o movimento de turistas, mas com a facilidade de transporte, as pessoas da Madeira começaram a perceber que tinham fortes vantagens em ter uma casa no Porto Santo. Hoje, pode dizer-se que este homem viu a ilha crescer, as construções que se multiplicaram quase três vezes em relação a 1996, a própria iluminação da ilha hoje é seguramente seis vezes superior à que existia. Diz quem conhece. Quem todos os dias tem o privilégio de ver a costa sul a partir do mar e pode assinar as palavras.
As poucas pessoas da Madeira que tinham casa no Porto Santo antes de 1996, decoravam-na com aquilo que já não queriam na residência habitual. Hoje, compara o comandante, «toda essa norma foi alterada, hoje há casas no Porto Santo iguais às do Funchal e pessoas estrangeiras, como angolanos e alemães, a fazerem casas na ilha dourada.
As poucas lojas que existem, apesar da crise, já têm coisas apetecíveis para comprar. Em 1994 e 1995, quando ainda viajava no catamaran Pátria e no Lady of Mann, o ferry-boat que veio à experiência para a linha, os espaços comerciais tinham pouco mais do que as prateleiras.
Os próprios táxis, eram carros velhos e alguns deles mal tratados e as pessoas tinham dificuldade em relacionar-se com os turistas, hoje há viaturas novas, bem cuidadas e até empresas de transferes e passeios turísticos bem feitos.
A introdução dos ferries no Porto Santo virou a economia local. «E há muitas famílias que viajam connosco que continuam a investir, mesmo em habitações para arrendar no Verão».
A ilha virou moda, sim. É um facto. João Bela, que por via da profissão conheceu muitos destinos turísticos e pode falar com conhecimento de causa, refere que além das figuras públicas que se sabe que ali têm casa, há outras que, não fazendo publicidade disso, mantêm o hábito de vir para o areal para as suas habitações de férias.
Ainda podemos ter esperança nos dias que vêm. O Porto Santo pode tornar-se numa pérola neste Atlântico, por continuar a ser uma zona de tranquilidade e paz. É a única praia da Europa com areia calcária e quem se preocupa com essas questões, acaba por ter ali a sua escolha natural.
A ilha tem qualidades e condições para receber, fora de Julho e Agosto, turistas de várias origens, há ainda dez meses para explorar. As Canárias, por exemplo, têm contratos com operadores que trazem funcionários afetos a sindicatos, reformados e outros e essa, alerta, poderia ser uma saída para potenciar o turismo em alturas do ano em que os nórdicos, decididamente, não farão praia nos seus países.
Em vinte anos, contudo, não viu acontecer uma coisa que poderia ser simples, mas que parece uma obra extremamente difícil. Hoje em dia até brinca com isso, mas a verdade é que, excetuando a Praia da Fontinha, toda a extensão de praia que existe ao longo de nove quilómetros não tem infraestruturas públicas de apoio. «Estou a falar de uns simples balneários com casas de banho». Porque nas zonas que não aquela paralela ao Hotel Torre Praia, só os investidores privados têm serviços desses, interditos aos turistas em geral.
Criar estruturas no areal para os locais e os visitantes se sentirem confortáveis é simples. Haja vontade.
Esse era um desejo para ver concretizado nos próximos anos. O outro, era continuar a ver a ilha sem semáforos, não a descaraterizando, mas sobretudo, queria poder ver continuar a melhorar o serviço na ilha, que não tem a tradição turística da Madeira, mas que irá certamente encontrar o seu rumo. Por outro lado, quer continuar a poder comer lambecas, os tradicionais gelados da ilha que não são imitáveis em parte nenhuma.
Ao fim de vinte anos, o comandante olha para trás e reconhece que fez muitos conhecidos. Não acredita que tenha feito inimigos. No Porto Santo, a ilha onde passa o dia, que sente quase sua, continua a gostar de saborear as tardes de brisa fresca como se fosse o primeiro dia.