Fiz a levada do Caldeirão Verde. Parecia o arraial do Monte, mas as quatro horas que passei no percurso deram para perceber que a ideia de semaforização não é descabida. Trânsito condicionado em algumas zonas, que deixam os turistas assustados a olhar para todo o lado a pensar que vão ficar encurralados entre a levada e a parede com musgo onde não querem tocar com as mãos e muito, mas mesmo muito lenço de papel pelo caminho, onde o corpo não aguenta e a fisiologia fala mais alto. Somos pouco asseados, mas a verdade é que com uma casa de banho como a que se oferece aos turistas, o melhor mesmo é usar a floresta Laurissilva. Ela não se deve importar.
O percurso, comecei-o na casa das Queimadas, claro. Não sei bem se cheguei ali cedo ou tarde, mas estacionar o meu pequeno ligeiro a meio de tanta carrinha de turismo e carros de aluguer e até de uma autocaravana, não foi a melhor tarefa do dia. Realmente, não entendo porque é que as carrinhas ocupam tantos lugares, se os turistas só vão regressar quatro horas depois. Podiam ir para santana e depois voltar, pelo menos deixavam espaço livre para mais ligeiros estacionarem, não precisando de ter automóveis pelos barrancos abaixo na estrada de acesso.
Enfim. Lá começámos o passeio, em direção à lagoa , ao caldeirão, ao inferno, a meio caminho dele, nem sei bem. Mas eram duas horas pela frente até o lugar que chama diariamente centenas de turistas e locais. Parecia o arraial do Monte, com direito a drone e tudo, porque estas modernices já chegam a todo o lado.
Logo no início, encantei-me com a paisagem. Mas passei mais tempo a ver onde punha os pés do que a afastar a cabeça dos galhos das árvores. Descemos degraus, subimos outros, mas pouco depois lá conseguimos acertar o passo no caminho sem raízes saídas do solo e prosseguimos, lado a lado com a levada, ao longo de 6,5 quilómetros.
Os primeiros sinais de que somos pouco asseados apareceram. A cada curva uma casa de banho improvisada, uma estrangeira mais afoita a vestir as calças enquanto passamos, pouco interessada que estivéssemos a passar no lugar onde a natureza foi mais forte que a bexiga. Íamos ver a mesma imagem na lagoa, onde uma delas estava tão desinteressada com o que se podia ver, que nem precisou de se esconder a meio da feiteira. Lindo… onde é que andava o drone?
Adiante.
Lá para a uma da tarde, andávamos nós a meio caminho, continuamos a cruzar-nos com quem regressava. O pânico deles, de todas as idades, a pensar que iam virar para dentro da levada era um doce de se ver. Ficavam a meia levada, uma perna de cada lado, a deixar passar vinte ou trinta pessoas então para se mexerem. Nada de assustador para nós, que estamos habituados a esta ilha de calhau rolado e levadas e poios, mas eles ficavam mesmo sem respirar até poderem continuar o regresso. E claro, os túneis, onde tudo é invisível, só permitem que se caminhe num sentido. Cruzar-se com alguém ali dentro é uma aventura, principalmente quando se olha para o chão para não pôr o pé na poça e se bate com a cabeça no tecto. Ouvi variadas vezes um grito depois de uma cabeçada, mas preocupei-me verdadeiramente com o bebé que ia às costas do pai. Porque a cabeça mais próxima do basalto era a dele.
Adiante. Isto estava animado.
Giro, giro, foi o tipo que não queria sujar os ténis e experimentou, dentro do túnel, andar no muro da levada até perceber que não ia conseguir a não ser que rastejasse. Pois, aí ia sujar a roupa e esfolar os joelhos. Acho que só percebeu nessa altura porque é que todas as outras pessoas andavam no chão.
Quando chegamos ali aos quatro quilómetros, uma placa indica a freguesia da Ilha para a direita e outra mostra que falta um terço do caminho para o caldeirão.
Olho para a levada. Uma meia imunda e um pé dentro do buraco escavado na terra. A mulher esfrega o tecido com uma mão contra a outra, lembro-me depressa dos tanques de lavar comunitários que existia quando eu era pequena. Continua a lavar e fico com medo que tire sabão em pó ou uma torcida de anil de dentro do bolso, mas afinal ela opta por estender a meia à frente do seu nariz a ver se ainda falta muito para tirar a terra. E eu a pensar que a água da levada era assim uma coisa fresca para encher as garrafas de água quando esvaziassem…
Adiante.
Chegamos ao arraial do Monte. Não vejo espetos, nem bolo do caco, mas um engarrafamento de pessoas sem carros que me permite adivinhar que para cima é o caminho. As pedras emolduram-se de gente a almoçar, seguimos para a lagoa e encontramos um lugar para nos sentarmos, vista privilegiada sobre o resto. Almoçamos, vemos uns miúdos cheios de coragem a mergulharem na água fria e um drone – um drone, caramba – a filmar quem ali está a conviver alegremente com a natureza, mas quem é que se lembra de incomodar a malta que não quer barulhos de motor a meio da serra?
Voltamos ao ponto de partida. Na levada, encontramos franceses, ingleses, espanhóis, grandes, pequenos e mais pequenos ainda. Assustados com os túneis, coitadinhos, mas pelo menos não batem com a cabeça…
Chegamos ao ponto de partida. Menos carrinhas, muito menos carros, mas uma casa de banho que fecha, como cereja no topo do bolo, o percurso. Não consegui descrevê-la, porque nunca a vi. A escuridão é tanta que apetece fugir e voltar para meio do mato. Lá depois disparo uma fotografia com o telemóvel e vejo este encanto aqui da foto.
Adiante…