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A noite repete-se, ano após ano e já se tornou um clássico no carnaval madeirense. “Quando ela era ele”, mais do que o nome de um filme, é a personificação da noite em que os homens dão valor às mulheres, quanto mais não seja pelos tacões altos e pela capacidade, ou a total falta dela, de se locomover em cima daquelas coisas.
A noite dos travestis, que nesta sexta-feira leva dezenas de homens madeirenses às lojas do chinês, é uma boa ocasião para sair à rua e apreciar os modelitos das Carmens, Ducineides e Cleomiras desta ilha.
A coisa é séria: elas, que são eles até saírem dos empregos ao final do dia, invadem as lojas de adereços, as casas das irmãs e os armários das mulheres à espera que alguma coisa lhes sirva, especialmente se for dois números abaixo, para realçar as curvas. Normalmente vislumbram-se curvas escondidas durante todo o ano, fruto de umas cervejinhas a mais com os amigos, mas elas, que são eles até se transformaram, adoram exibir.
E os pés? Os pés delicados acima do 42, biqueira larga, com dedos a fugir dos sapatos rascas comprados a cinco euros em lojas de qualidade duvidosa, mas arrisco-me a dizer que adoram. Há quem chegue a pintar as unhas de vermelho, mas depois leva dois dias a tirar o verniz e amaldiçoa todas as mulheres que se pintam.
A maquiagem, então, é um colosso. Há dois tipos: os que usam base tipo cimento, para não se ver a barba, que revela uma grande preocupação com a aparência e o outro tipo de pintura, o “quanto mais borrado, mais eu gosto”, em que o batôn há muito ultrapassou os limites dos lábios e passeia pela cara esborratada, isto para não falar das vezes em que borraram os olhos porque se esqueceram que tinham rimel.
No sábado, quando acordarem, elas, que voltam a ser eles, vislumbram o chão do quarto de roupa espalhada. Umas meias de rede com buracos onde dá para passar um camião, uma cabeleira loura e um sutiã onde se enfiaram meias para ficar com uma copa, no mínimo, com o mesmo número do sapato. Depois, quando se levantam, esmagam as bolhas de água contra o chão e arrependem-se de terem sido mulheres por uma noite. Mas todos eles voltam para o ano, na sexta-feira de Carnaval…