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Inesquecível

Quando se engarrafam as Terras do Avô

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Foi uma daquelas manhãs de sol e de calmaria no mar do norte. Não são todas, mas por algum motivo pensei que a minha visita o tinha feito vestir a preceito e esmerar-se para me mostrar o seu segredo.

Na curva da estrada antiga para o Seixal, vislumbrei a casa e as buganvílias que escorriam sobre a pérgula, o muro alto e o homem que começou toda a história que agora se conta com aromas de flores e paladares de fruta. Uvas, pois claro. As uvas que plantou nas Terras do Avô, ao longo dos degraus naturais que sobem a encosta quase vertical.

Duarte Caldeira recebe-me no local onde recebe dezenas de turistas todos os meses. O engenheiro das flores, como o conhecem muitas pessoas na ilha, orgulha-se do trabalho feito e eu deixo-me embalar na história familiar que o faz, agora, juntar-se à esposa e aos três filhos nesta odisseia que vai ser saboreada nas próximas gerações.

O vinho é o néctar que prepara há já vários anos e que agora recomenda ser degustado com as receitas da avó, a nova aposta comercial da empresa. Um almoço previamente marcado para o jardim que se debruça sobre o mar do norte com a sabedoria gastronómica da avó do engenheiro. O ensaio da empresa a que pertenceu anteriormente deixou a certeza de que a aposta pela qualidade em detrimento da quantidade era a opção certa e hoje prova-o com os elogios dos entendidos e a presença assídua nas melhores cartas de vinhos nacionais.

O Seixal tem solos diferentes do resto da ilha da Madeira. São ricos em matéria orgânica e tem ali a melhor água da ilha, proveniente da Laurissilva. Os ventos que sopram de nordeste, do mar para terra, trazem humidade que condensa nas folhas das árvores que são património mundial e a água daí resultante cai no solo, tornando-o único. À partida, a relação entre as duas coisas poderia não ter importância, mas o casamento entre ambas acaba por aparecer no vinho.

O engenheiro agrícola tem uma filha que lhe seguiu as opções académicas e outra que é guia. O filho, que lhe seguiu as pisadas na política, é também entusiasta do negócio familiar, que atravessa já as gerações e entranha-se lentamente na alma dos netos do patriarca.

O vinho, vamos ao vinho. Aos 13 hectares que se espalham em 31 parcelas, que dão origem ao rótulo que chama a atenção nas prateleiras do supermercado e que representa um avô a sair de uma pipa.

Os vinhos, feitos na Adega de São Vicente, têm uma qualidade ímpar, porque foi preocupação do engenheiro fazer algo diferente. As castas disponíveis na Madeira eram as mesmas para todos os vitivinicultores e a expressão “mais do mesmo” não o seduzia. Convidou um enólogo para ser seu consultor e conta com os conselhos do enólogo da Adega e hoje tem um ponto forte a seu favor: aproveita o melhor das castas e não adiciona nada, valorizando o melhor que os solos têm. A acidez do terreno, profundo e com muita pedra, transmitindo o travo a mineral que se descobre a cada gole. A ideia agradou o engenheiro. Não encontra comparação com vinhos vindos de outras regiões produtoras. Orgulha-se de escolher a sua uva. É sempre o último a entrar na adega, deixa os cachos amadurecerem mais e toca frequentemente a última semana de setembro, enquanto os outros produzem os seus vinhos mais cedo.

Tudo tem uma ciência. Ou uma engenharia. Não faz vinho para concursos porque discorda da forma como se inscrevem as garrafas. Os produtores preparam-se para os concursos com exemplares feitos propositadamente e não são, como devia, os jurados a comprar nas garrafeiras de venda ao público um exemplar aleatoriamente.

Sabe que tem qualidade para oferecer e que encontrou ali, para além das flores que o tornaram conhecido profissionalmente, uma forma de vida.

As Terras do Avô e o vinho que lhe deu o nome são a menina dos seus olhos. Têm sido a menina dos olhos da família e mostram que estarão ali para as próximas gerações. Já se enraizaram no Seixal e arredores, já ultrapassaram o oceano e chegaram a vários pontos da Europa e mesmo dos Estados Unidos da América. Vende muito a turistas que por ali passam em viagens organizadas e almoços agendados que podem ser apreciados pelos madeirenses.

Desde que instalou, em 1970, as primeiras estufas na Madeira, Duarte Caldeira experimentou novas culturas de quando em quando. Conforme as necessidades do mercado e a adaptação dos produtos. Foi dessa experiência acumulada que nasceu a paixão pelas novas propostas que lhe surgiam na mente.

O vinho e o espumante que se lhe seguem farão parte dos nossos futuros invernos ou verões no norte da ilha, na casa onde recebe quem quiser comer pratos caseiros, as tais receitas da avó, acompanhada pelas Terras do Avô. A não perder…

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