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Inesquecível

Oito razões para afundar o navio-patrulha Cacine na Madeira

A Marinha Portuguesa já decidiu e a opção foi comunicada ao Governo Regional. O NRP Cacine, que deu nome à mesma classe de navios que desde o final dos anos 60 esteve ao serviço de Portugal, vai ser afundado nos mares da Madeira.

O seu afundamento em águas da Madeira é o reconhecimento pela Marinha da sua importância para a Região, provavelmente as águas portuguesas onde a sua intervenção foi mais mediática. Ao serviço da Marinha desde 6 de Maio de 1969, o navio que deu nome a uma classe de dez, construídos nos anos seguintes, foi retirado do efectivo em Julho do ano passado, numa cerimónia na Base Naval de Lisboa, no Alfeite. Durante os primeiros anos, esteve em África, onde prestou serviço durante a guerra colonial ultramarina.

Há várias razões para que o NRP 1140 fique afundado nos nossos mares. A começar pelos primeiros anos em que veio para a nossa Zona Marítima.

Desde o acidente com o avião da Tap em 1977 que o navio começou por ter uma ligação estreita à Madeira e aos seus acontecimentos trágicos. Nos dias seguintes ao fatídico 19 de Novembro desse ano, o refeitório de praças do Cacine serviu de morgue aos corpos encontrados no mar de Santa Cruz, junto à cabeceira da pista onde o avião se precipitou.

Passados alguns anos, na Maré Negra de 15 de Janeiro de 1990, foi o mesmo navio que seguiu para o Porto Santo, pois estava de novo atribuído ao então Comando Naval da Madeira. Recorde-se que o navio espanhol “Aragon” procedeu a uma lavagem dos tanques de combustível, provocando um dos maiores desastres ambientais do país.

Depois de muitas missões à Madeira, o navio que foi retirado do efectivo da Armada em Julho de 2017, foi de novo protagonista de uma acção de busca e salvamento no âmbito da aluvião de 29 de Outubro de 1993. Comandado pelo actual comandante de Zona Marítima da Madeira, Capitão-de-mar-e-guerra Silva Ribeiro, o navio esteve vários dias nas buscas dos corpos desaparecidos depois da enxurrada dessa madrugada.

Já no início do século XXI, em 19 de janeiro de 2002, um derrame ocorrido no pipeline da NATO no porto de abrigo do Porto Santo, durante uma trasfega de fuel realizada pelo navio “Vemachen VII”, com pavilhão de La Valletta, levou a que o “patrulha mais antigo” se movimentasse em direcção àquela ilha transportando técnicos e material de contenção para uma primeira intervenção.

Ainda no mesmo ano de 2002, perante um acontecimento único na história da Marinha Portuguesa, durante a crise do petróleo, foi o único meio naval autorizado a navegar numa altura em que a decisão de Lisboa foi de parar todos os navios. Nessa época, Alberto João Jardim, então presidente do Governo Regional da Madeira, questionou a opção, uma vez que o apoio ao então Serviço do Parque Natural e as missões de vigilância marítima e de Busca e Salvamento na nossa Zona Económica Exclusiva ficariam fortemente afectadas.

Os anos passaram. O Cacine continuou as suas missões à Madeira, até que em 2010, numa comissão de rotina à nossa Zona Marítima, o 20 de Fevereiro aconteceu. O dia triste e inesquecível para os madeirenses, começou com a saída do navio para procurar, ao largo da costa, corpos eventualmente arrastados pelas águas revoltas que desciam embravecidas desde as serras.

Mas a ligação emocional dos madeirenses não terminaria nesse dia. Foi ao Cacine que coube, em Janeiro de 2012, envolver-se nas buscas ao ex-Vigilante da Natureza Carlos Silva (conhecido por Vidrinhos), que desapareceu nos mares do Campanário depois de um mergulho mal sucedido.

Ao longo de vários dias – ajudado depois com outros meios da Marinha – o mais antigo dos patrulhas navegou centenas de milhas na tentativa de encontrar o conhecido entusiasta que, ironicamente, viajou dezenas de vezes a bordo do navio no período em que exercia funções de vigilante ao serviço do Parque Natural da Madeira (actual Instituto das Florestas e Conservação da Natureza), nas Ilhas Desertas e nas Selvagens.

O NRP Cacine foi protagonista ainda, em 2015, da primeira viagem de transporte logístico para a instalação da Polícia Marítima nas Ilhas Selvagens. Numa odisseia que fez o navio ir ao Porto Santo carregar toneladas de material para as obras, fica na memória de quem fez a viagem o transbordo de um gerador com meia tonelada carregado pelos meios do navio para terra e transportado à força de braços por 12 pessoas para o local onde veio a ser instalado na ilha. Uma operação pioneira num local onde as gruas são inexistentes.

Mais recentemente, durante uma dessas inúmeras viagens à Reserva Natural das Selvagens, o navio viu-se obrigado a recorrer ao Centro de Busca e Salvamento da Madeira para que fosse resgatado o médico Francis Zino, passageiro que sofreu um acidente e ficou com um dedo praticamente amputado. A chegada do helicóptero EH101 da Força Aérea Portuguesa com a operação de evacuação que se realizou nessa noite, foi um dos últimos momentos históricos da vida do navio na Madeira.

Sensível a essas ligações emocionais, a Marinha tomou a decisão que esperávamos e que nos deixa orgulhosos… o Cacine vai ficar eternizado nos mares da Madeira.

 

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