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chef%2B1.jpgQuando a professora do 9º ano na Escola do Estreito de Câmara de Lobos perguntou que queria ser, o jovem Octávio Freitas respondeu, sem pestanejar, que queria ser cozinheiro.

Entre as gargalhadas dos futuros engenheiros e médicos, advogados e afins e o espanto da diretora de turma, o jovem aluno, filho da melhor cozinheira do mundo, como diz, manteve o seu sonho e começou ali temperar os anos seguintes, que o trariam ao glorioso ano de 2016, quando a vida lhe corre bem, quando os seus pratos já são uma marca registada para saborear com o seu vinho, o tal que anuncia apenas as iniciais Of no rótulo sóbrio e distinto.

Hoje, quase vinte anos depois daquele Outubro de 1997, quando iniciou a profissão, ainda se recorda daquele dia por dois motivos. Pela capacidade que teve de focar o seu objetivo e por não ter esquecido as caras de escárnio dentro da sala de aula.
A vida sorriu-lhe através de uma família dita normal, como brinca, um casal médio, com filhos, com o pai a continuar ainda hoje a ser taxista e a mãe a fazer os melhores cozinhados do mundo, frisa.

O Chef, porque hoje é assim que é conhecido, tem nome e marca registada em todos os pontos da ilha e reconhecem-lhe a capacidade de deixar o seu tempero na juventude atual. Jovens pouco mais velhos do que ele, que quando tinha doze anos, decidiu que esta seria a sua forma de vida. Uma estranha forma de vida, diriam alguns, algures na segunda metade dos anos 90. Talvez porque o pai sempre teve hortas caseiras, cultivava o que comiam em casa, criava animais para o sustento da família e gostava da tal ligação a terra que o filho tanto reconhece, agora.
«É da terra que nasce o prato», sentencia, gesticulando como se tivesse entre os dedos qualquer legume colhido lá na horta do pai. É preciso percebermos a natureza das coisas, ensina.

chef%2B2.jpgAinda com idade para andar a jogar à bola na rua transformada em campo de futebol, o rapaz que cresceu a conhecer todo o tipo de colegas começou a perguntar onde poderia ter aulas de cozinha. «Era um bom aluno, não fui para a cozinha por escape», não havia quem quisesse descascar batatas e fazer espetadas para turistas.

Como não foi um mau estudante, podia ter sido qualquer outra coisa, mas decidiu que queria criar. Na altura, não foi difícil, porque as vagas para cursos de cozinha na Escola de Hotelaria e Turismo da Madeira eram mais do que muitas. Agora, há excedente de alunos a querer experimentar texturas, sabores e condimentos. É preciso filtrar os candidatos.

Teve sempre apoio em casa. Ninguém o dissuadiu ou tentou demover, mesmo que tivesse quinze anos quando entregou os papéis para a candidatura e que em Outubro de 1997 tivesse já os 16 anos completos na primeira aula.

«Parece que encarnei outra pessoa, tinha o mesmo foco que tenho hoje e sabia, como sei agora, exatamente o que queria».

Começou a trabalhar muito cedo. No primeiro mês de aulas deu tanto nas vistas que foi convidado para estagiar num restaurante. Assim, com 16 anos, estudava das 8 às seis da tarde e entrava no “D. Amélia” das 19 à uma da madrugada seguinte.

Fez isto durante três anos, nos dias de semana, mas os sábados e domingos eram passados enfiado no restaurante. Foi por capacidade e não por qualquer golpe de sorte que fez, por isso, a travessia meteórica diretamente para cozinheiro de 1ª categoria, saltando as de 3ª e 2ª.
O Chef Amândio, um dos grandes mestres da nova vaga da cozinha madeirense não o deixou fugir da sua alçada, quando Octávio acabou o curso. Aos 19 anos, era subchefe de cozinha e braço direito do conceituado chef, que se formara na Suíça. Houve quem apostasse que não demorava uma semana. O mais velho era um homem exigente, o que era muitas vezes confundido com mau feitio e juntou-se, atrevo-me a dizer, a fome com a vontade de comer. Octávio concorda. Sabe que o bom feitio não é propriamente a sua imagem de marca, mas prefere chamar-lhe, agora, exigência, quase perfecionismo.

Alguns anos depois, depois de passadas várias cozinhas de hotéis e restaurantes, não esquece que aos 21 anos abriu a Quinta do Jardim da Serra como chef.

chef3-1Talvez por ter dado o seu primeiro curso de cozinha aos 18 anos, ainda o diploma da Escola Hoteleira cheirava a tinta, ficou com vontade de partilhar. Hoje, tem quase 200 alunos em dezena e meia de escolas, reconhecendo que o seu trabalho foi responsável pela paixão desenvolvida por muitos miúdos. Por um programa de televisão, de rádio, de uma sensibilização feita numa escola… por qualquer razão. Mas ela existe e pega-se, como o aroma das suas receitas.

A formação que dá na Of – Escola de formação, aparece por querer devolver o que aprendeu à terra que o viu nascer. Mas quanto aos 40 anos, quando lhe pergunto onde vai estar, Octávio não mergulha em futurologia. Só sabe que não quer defraudar as expetativas dos que confiaram em si. Mas também sabe que se quer superar, todos os dias.

Não sabe se a Madeira vai ficar pequena para si, mas sabe que das viagens que fez, a título pessoal ou profissional, houve coisas que o fascinaram e outras que nem por isso, atrevendo-se mesmo a dizer que «somos um exemplo de hotelaria para muitos países».

Recentemente, esteve pelo segundo ano consecutivo na Polónia, a representar Portugal e gosta de viajar, sendo convidado diversas vezes por ano para participar em eventos no continente, assim como se estivesse a tocar piano a quatro mãos, mas na versão gastronómica.

Pergunto-lhe qual foi a cereja no topo do bolo nas suas criações. Pensa um pouco e atira com um olhar distante, como se no horizonte estivesse a resposta. «Já criei pratos que pensei que iam ser um sucesso e não foram» e outros, «feitos sem grandes improvisos ou expetativas, acabam por ter uma história». Houve alguns que criou e desapareceram das suas ementas e outros que, temperados com o seu estado de espírito em dada altura da vida, o marcaram. Houve um, particularmente, que faz com que até hoje as pessoas o procurem: «um bacalhau fumado, que apresentou numa “Essência do Vinho” e que o levou inclusivamente ao Porto». A especialidade? É fumado em farelo de barricas de Vinho Madeira.

Hoje, já não é opção trabalhar com produtos regionais. É uma exigência. Uma cobrança que faz a si próprio, porque se não o fizer, as pessoas fazem. Sem cerimónias. Sabe que teria sido mais fácil brilhar com produtos como lagosta e caviar, porque é fácil brilhar com pratos caros, mas quando a magia nasce da cavala, do atum ou das ovas de espada, é preciso arte. E passados quase vinte anos, continua a ser uma certeza das suas cartas.

A paternidade levou-o a ser mais condescendente e hoje, reconhece, o feitio pouco flexível está mais mole. Dá segundas, terceiras e mesmo quartas oportunidades, mas sabe que houve tempos em que terminava na primeira.

Quando a conversa vai caminhando para a sobremesa, ainda avanço com a colheita de vinho. É uma paixão antiga a tal mestria de fazer o néctar. «Não gostava de beber, mas adorava entender o percurso, a fermentação das uvas, as harmonias, porque é que se acompanha com vinho branco um prato ou outro». Aos 18 anos, fez uma formação em enologia e a partir dali tomou-lhe o gosto. «Tenho prazer nisso». Mas recusa, quando provoco, que o Vinho Madeira seja para molhos, como muitos colegas de profissão por esse mundo fora.

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Um dia, quis fazer um vinho.

Porque se a sua vida é criar com o que a terra dá, mais do que nunca, era hora de o fazer aliado às formações que teve. Em conversa com um enólogo, cozinhou uma ida ao Alentejo para criar o seu “blend”, a mistura das várias castas que escolheu e criou a sua própria marca, a Of, que se transformou em 15 mil garrafas de branco e outras tantas de tinto. Todo ele vendido em 2012, mas dali saiu também um lote especial, de 1500 garrafas de reserva e depois chegou ao auge de criar um Vinho do Porto com o seu nome. «O único Vinho do Porto feito por um madeirense». Ainda quer fazer o mesmo com castas nossas.

Mas tudo a seu tempo. Como tem sido tudo na sua vida. Para saborear, acompanhada de um bom prato.

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