Um dia destes, depois de regressar de férias, experimentei levantar-me antes do sol.
Às seis e meia pus-me a caminho do Caniço de Baixo, ainda a questionar o dia que me tinham preparado. Parei na entrada do Refugio dos Sonhos, no Centro de Cura Ayurveda de Birgit Moukom, que funciona no Hotel Alpino Atlântico e a partir dali deixei que cuidassem de mim. De corpo e alma, como se costuma dizer. Às sete da manhã eu e mais uma dúzia de mulheres estávamos numa sala silenciosa, onde conseguíamos ouvir a respiração umas das outras. Não sabia o que me ia acontecer no resto do dia, sabia apenas que ia ser sujeita a uma cura ayurvédica de que me tinham falado algumas semanas antes.
Em resumo: fui ao céu e nem saí do Caniço. Um dos dias mais memoráveis do meu verão. Todos nós devíamos fazer isso pelo menos uma vez por ano… aquele dia devolveu-me a energia que precisava para voltar ao trabalho.
Percebi depressa que era a única madeirense, que tive dificuldade em encontrar alguma portuguesa e que precisaria escavar escarpa abaixo para encontrar uma madeirense. É um bom começo, não reconhecer ninguém com quem pudesse passar o dia na conversa. Até porque o dia era de descanso.
Comecei a aula de ioga. Do sol, nada,. Nem sinal. Acatei as ordens murmuradas pela instrutora, imitei as outras mulheres, umas mais novas e outras bem mais velhas e deixei-me levar no primeiro momento do dia de cura.
Vi o sol nascer, entre uns movimentos ensinados com todos os cuidados e a passagem do Lobo Marinho do outro lado da janela, a caminho do Porto Santo.
Em silêncio, arrumei o estaminé que tinha montado para a aula, tal qual as outras mulheres e rumei, pela primeira vez nesse dia, à sala de relaxamento. Só o nome já deixa qualquer um quase em off.
O pequeno-almoço era às 8 e meia e tinha algum tempo para apreciar aquela vista soberba sobre o amanhecer.
Bom, a primeira refeição do dia era composta por alimentos diferentes de uma normal, daquelas que nos habituamos a tomar, com café e tudo o que achamos ter direito. Café nem vê-lo. Chá de gengibre a acompanhar os alimentos, na sua maioria sementes, mas também compotas naturais.
Dali encaminharam-me para o médico, que me trata da saúde, literalmente. Aconselha-me esta ou aquela massagem, pergunta mil e uma coisas para que eu não passasse por nenhuma má experiência.
Nessa altura, ainda não imaginava que me ia embalar na viagem do resto do dia, mas do lado de fora do consultório já se estalavam dedos para a minha massagem. Bom, a da manhã, porque de tarde viria outra…
É aqui que começo a pensar que devíamos fazer isto uma vez por semestre e não por ano.
Numa sala iluminada com luz fraca e velas, deito-me para a massagem. Podia ter escolhido entre Mukabhyanga (massagem ayurvédica de óleo no rosto e parte superior do corpo) ou Padabhyanga (massagem ayurvédica de óleo aos pés e pernas) ou Panahasveda (massagem ayurvédica de óleo nas costas). Um pormenor… não posso dizer qual foi, porque experimentei um pouco de todas, mas garanto que qualquer uma delas é de se lhe tirar o chapéu. Aconselho vivamente a quem precisa de repor energias.
Voltei para a sala de relaxamento. A única na Madeira cujos vidros filtram os raios ultravioleta maus e deixam apenas passar os bons. O que eu aprendi nesse dia. Sem necessidade de utilizar protector. Estava de tal forma relaxada e cheia de óleo, de roupão e pantufas, que pus despertador para o caso de a massagem começar a fazer efeito.
Uma boa decisão. O telemóvel em modo de voo, não fosse tocar e assim, um encosto breve, na espreguiçadeira. Lá está, mulher prevenida vale por duas: só me lembro do despertador ter tocado cinco minutos antes do almoço e de ter olhado para o lado e visto o casal que nem senti chegar. Curiosamente, o primeiro dos dois ou três homens que vi no hotel durante todo o dia. Mulheres, mais do que aquela dúzia com quem tinha feito ioga de manhã.
A refeição tem chá de caninha, gengibre é coisa da receita da manhã. Saladas, hambúrguer de soja, azeitonas, comida vegetariana, nada melhor do que uma cura ayurvédica para entender o significado e a importância de tudo aquilo. As outras mulheres chegam e sentam-se, apreciam a refeição e curam-se. Mais um dia. Fico a saber que algumas vêm pela quinzena, outras uma semana, outras só o fim de semana. E há quem passe o dia…
De repente, vejo chegar à minha frente uma taça de morangos com natas. Depois de me ter portado tão bem ao almoço, não posso aceitar a tentação, mas depressa me explica a simpática colaboradora que as natas são vegetais e tem sementes de papoila a embelezar. Aceito.
Deito-me mais um pouco, desta vez na espreguiçadeira do jardim. Não estou cansada, claro, mas o dia é de relaxamento e não de se preocupar. Acho que vou voltar uma vez a cada três meses. É isso. Um trimestre é o suficiente para o corpo pedir um dia daqueles e o espírito agradecer o mimo.
A meia tarde vou ter de novo ao centro nevrálgico, não sem antes ter passado pela loja do hotel onde se pode encontrar todo o tipo de pedras e de cremes para as maleitas. Já se prepara a minha segunda massagem do dia.
Do programa consta uma Abhyanga + Steam (massagem ayurvédica de óleo do corpo inteiro+banho de vapor c/ervas). A pele agradece, a massagem da manhã ainda fervilha nos poros, mas esta, já numa sala sobre o jardim e o oceano, revitaliza a íris antes de fechar os olhos e deixar-me viajar…
Saí do Hotel quando o relógio marcava as cinco da tarde, mais coisa menos coisa. Três sonos depois e duas massagens depois, ganhei vida e energia para os próximos tempos. E a perguntar porque razão vamos para outros países à procura de curas e relaxamentos se ali a descrição foi minha companhia todo o dia. Andei de roupão e pantufas até voltar a casa, sem saber muito bem como levei o carro e quando vi o sofá estava tão relaxada que até me voltei a deitar. Faltava o mar, é certo. Mas o corpo rejuvenescido e o espírito agradecido estavam ali comigo. Não sei se chegaram ao mesmo tempo a casa, mas durante muito tempo estiveram perfeitamente alinhados.
Vim maravilhada com a equipa. Todos fazem a sua parte para que nos sintamos assim, mais coisa, menos coisa, às portas do céu. Sem ter de sair da ilha. É esse o propósito de quem atende e de quem recebe naquele local onde é suposto rejuvenescermos. Talvez seja melhor ir experimentar uma massagem por mês…