Perdi-me nas cores da tradição e nos aromas de infância quando abri as garrafas dos mais de 30 licores de Filomena Silva, no Arco da Calheta.
Saboreei cada momento, mesmo não tendo saboreado, como mandava o bom senso, todos os exemplares, mas deambulei pelos vapores de manga, banana, vinho, pêssego, mirtilo, café, maçã, morango, limão – ah, o de limão! – sem nunca ter descoberto o que era o tal sabor “surpresa” que encantou todos os que o provaram à volta de um presépio e de um despique.
Só tive uma certeza. Filomena, do alto dos seus 59 anos, nasceu para aquilo. Fez o primeiro licor há quarenta anos, lembra-se como se fosse hoje. De vinho.
Não quer fotografias, mas não tem problemas em dizer orgulhosamente que mora no Ledo. Até veio atrás de mim a rua toda para me relembrar que o referisse. Lêdo, assim se escrevia antigamente, significa alegria e por ali, garanto, a palavra é contagiante. A dona do licor que parece enfeitiçar quem o bebe, mesmo que nunca saiba o que é que lhe dá aquela tonalidade azul turquesa, conta uma a uma as histórias dos néctares sobre a mesa, as broas, o bolo de mel e eu ando à volta da sala, abrindo garrafas e tentando identificar os aromas.
Não consegui sair sem provar alguns e sujar vários copos, avisada desde logo que isto de misturar sabores é contranatura. Azuis, verdes, vermelhos, amarelos, castanhos, até cor de laranja, os licores deixaram-me aquele doce-amargo na boca, provados em fuga antes que fosse impossível escapar sóbrio de uma das mais bonitas tradições da Madeira. Todos os Natais, repete uns sabores, varia outros, mas são sempre às dezenas os que oferece aos amigos, em visitas, pois nunca vendeu uma única garrafa de licor na sua vida.
Ainda há quem as guarde, as preserve do tempo da avó, como a Filomena, do Ledo. E que espera poder continuar a oferecer a quem conhece e a quem não conhece o produto dos seus saberes, das raízes que lhe deixou a família, que procura preservar ano após ano. Há quatro décadas bem contadas, há muitos licores impossíveis de contar.