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Gente que Marca

A fotógrafa das emoções…

By 23 Novembro, 20161.902 Comments

Assina com alma tudo o que faz e questiona mais ainda, ou não fosse ela cientista.

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De um lado, tem a herança do pai, que a fotografava, sozinha ou ao lado dos irmãos, com a maior das naturalidades e os cuidados da mãe, que os embonecava nas datas assinaladas para levar ao fotógrafo de cenário montado e flashes em forma de guarda-chuva.

Sara Reis Gomes é autora de muitas fotos recentes de bebés com famílias incluídas, que vemos passar nas cronologias das redes sociais, mas não pensou, há três anos, que fosse agarrar de forma tão apaixonada o que andou adormecido desde a sua infância.

Bióloga Marinha, casada e mãe de quatro filhos, decidiu durante um internamento de quinze dias no hospital organizar as fotos dos dois mais velhos e das duas mais novas, uma das quais com apenas um ano. Deve a esse golpe que a vida lhe desferiu a descoberta da paixão que evidencia pela fotografia, quando no Nini Design Centre me conta os primeiros passos deste segundo passeio pelo mundo das imagens que se guardam.

 

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Sentada no bar onde chegam os turistas que despontaram no porto a bordo de dois navios, olha para os raios de sol do outro lado do vidro. Tem diploma de cientista e alma de mãe. A mãe que quis guardar os melhores momentos e não todos, porque não são precisas cem fotografias do primeiro ano do bebé para nos lembrarmos mais tarde de como ele era. Aliás, a sua mãe só os levou ao fotógrafo com um, seis e doze meses. Valeu-lhes o pai, afinal, que os apanhou em momentos em que os vestidos não estavam engomados e os cabelos alinhados e presos em laçarotes.

Mas há algo que recorda com saudade, agora que começa a trabalhar os postais de Natal encomendados pelos fiéis clientes. A simplicidade dos adornos que se ofereciam nas folhas brilhantes de 10×15 cm dadas aos avós, tios e padrinhos.

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Hoje, lamenta, com tanto ornamento nas fotografias desta época, depressa as pessoas se distraem do elemento principal, a pessoa. É contra isso que tem lutado nos workshops que tem dado e que têm estado com casa cheia. Mas já prepara os do próximo ano, um dos quais no Nini Design Centre, garantindo que há lugar para todos. «Mesmo que tenha de abrir mais datas», sorri.

Olho para a mãe de quatro crianças entre os 3 e os 14 anos questionando se o seu dia não terá mais horas do que os outros. Ainda mais quando se tem um filho com dislexia, uma patologia que fez com que desse início ao blogue “Would You Mum”, que está neste momento a reinventar-se. Falava da particularidade do aluno, do filho, da criança que, em vez de ler, juntava as letras e por isso demorava mais tempo do que os outros. E da decisão de o levar a Lisboa, procurando respostas em todos os lugares. Incluindo a internet. O seu lado de cientista questionou sempre. Levou-a a estudar mais o cérebro do que muitas mães e a explicar sempre ao mais velho o que se passava com ele. Não escondeu a particularidade. Mas depressa descobriu que estava a monologar em vez de dialogar. As pessoas escondiam a patologia dos seus filhos. Não a encaravam. Sara passou a tratar o neurodesenvolvimento por tu, tornou-se mais um morador lá de casa. Habituaram-se a ele todos os dias e os mais novos foram crescendo a conviver com um irmão que requer algumas atenções, como qualquer um deles tem as suas.

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Foi deixando o blogue com a mesma velocidade com que “pegou” nas fotografias. Ainda os casou durante um tempo, mas a paixão pelo instante do clique e pelo grande momento em que se transforma a foto falaram mais alto.

Hoje, fala-se da mãe que desde 2002 guarda as imagens que um dia os filhos vão ver, sem as poses do fotógrafo ou os cabelos alinhados e laçarotes a enfeitar.

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Não tem medo de deitar fora o acessório, guardando apenas o essencial e tem ensinado isso a muitas mães que passam pelos seus workshops, gostando sobretudo de partilhar sorrisos, expressões, emoções que causam sorrisos. É por isso que se assume como apaixonada pelas crianças que vê crescer do outro lado da objectiva, que atrai para os seus braços quando as quer apanhar na traquinice ou a morder o queixo da mãe, num jeito ternurento e único que rouba para a sua lente.

É difícil ficar indiferente ao seu trabalho. De tal forma que já se reconhece o seu traço, quando alguém publica as fotos da evolução de um bebé até um ano, um trabalho que muitas vezes começa quando o manequim ainda mal vestiu a primeira roupa. Amarela, pois claro, ou com qualquer outra cor. Mesmo que a fotografia, a tal, seja a preto e branco. Depende sempre do que se quer transmitir. Há fotos que ficam melhores assim, outras que precisam de cor para ter expressão. É o momento, mas sobretudo a emoção, que ditam o que sai dos milhões de bytes que guardar no seu computador e é entregue aos cada vez mais clientes que a procuram. Como os clientes que entram no lugar onde a designer madeirense Nini guarda as suas criações. Estas bem mais pesadas do que uma imagem, mas que também causam muitas emoções, a julgar pelos turistas que nos rodeiam de máquina em punho e disparos de telemóvel. Até temo que distraia a minha convidada e que, de um momento para o outro, comece a dar dicas aos amadores que nos circundam.

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Voltamos a falar de tempo. Da sua capacidade de organizar o dia a dia com quatro crianças e o trabalho como bióloga. Sorri quando responde que a partir de uma certa hora, lá em casa, deixa de se ouvir a palavra mãe, para começar a ouvir-se a palavra pai. E depois, em tom mais baixo, parece confessar que as notas dos filhos desceram quando começou nesta aventura, mas depois aumenta logo o tom para justificar o inevitável: mais cedo ou mais tarde, eles iam ter de estudar sós. Assim, acabou por lhes dar responsabilidades mais cedo, apesar de contar com o apoio incondicional do marido.

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Encontro-me perante duas mulheres dentro de um corpo. Como se fossem partes que se encaixam de uma daquelas peças que nos rodeiam e que Nini desenhou. Uma metódica e inquiridora, procurando sempre descobrir os porquês, por defeito profissional e outra que, descontraída, deixa os filhos se arranharem e crescerem com as cicatrizes, pois tudo faz parte. Se houver uma máquina fotográfica por perto, óptimo. Se não houver, não faz diferença. Haverá sempre outro momento. É tão difícil perceber onde acaba uma e começa a outra, porque a descontraída é perfeccionista e gosta de pôr os retoques técnicos nas fotografias que tira a mini-manequins nem sempre na pose perfeita para um catálogo de moda.

 

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Pensei que devia evitar a pergunta, porque a resposta seria óbvia, mas foi mais forte do que eu. Afinal, o bichinho curioso dentro de mim queria saber se já tirou “aquela” fotografia, se já houve o momento, o tal que a marcou. A nega saiu mais rápido do que o disparo de uma fotografia.

Assumiu que gosta mesmo é de tirar fotografias a crianças, as paisagens não são para a sua lente. Gosta de fotografar famílias, mas apesar de gostar do preto e branco não vai tão longe como aquelas com tons sépia que, provoco, incluem o cão aos pés do dono e o patriarca sentado com todos de pé à sua volta. A explicação técnica para as fotos a preto e branco está no facto de concentrar na expressão das pessoas e não na saia vermelha ou no casaco xadrez.

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Na pós-produção que faz em casa, instintivamente, escolhe o resultado quando a foto sobrevive à triagem que manda para o lixo todas as outras. Sabe se vai ser a cores ou não. E repete: «vou muito pelo instinto». Apesar de a explicação que me deu, depois, ser a da outra mulher que vive dentro dela, pois conta que «por causa da dislexia do meu filho, li muito sobre neurobiologia e descobri melhor como o nosso cérebro funciona». O seu lado biólogo diz que «a informação visual é lida mais rapidamente do que a verbal». E essa parte, admite, é mais importante do que a técnica da fotógrafa. No entanto, perfeito mesmo, «é quando se consegue conciliar tudo».

Em suma, «a espontaneidade do momento e o olho clínico que descobre o que o olhar da pessoa quer transmitir, é muito mais interessante do que uma fotografia tecnicamente perfeita, sem alma e que não mexe connosco». E isso sabem as pessoas que cada vez mais a procuram, para eternizar aqueles pequenos momentos que só uma fotógrafa com emoções sabe captar.

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